A Cor da Cerveja

Ao abrir uma garrafa ou lata de cerveja, ou receber um copo/caneca enchido direto da torneira, começa aquele importante ritual de avaliação sensorial. A primeira coisa que notamos na cerveja é sua cor, daí a vantagem de beber uma cerveja artesanal num copo ao invés de beber direto da lata, como fazemos normalmente com uma cerveja mainstream. Na sequência vem a avaliação da espuma, importantíssima na retenção dos aromas, translucidez ou turbidez dependendo do estilo e processo de fabricação, aroma, e finalmente o mais importante que é aquela golada gostosa para sentir o sabor e o amargor do líquido sagrado. Mas hoje vamos focar na cor e de onde ela vem. A cor, tonalidade e brilho são afetados tanto pelos insumos utilizados quanto pelo processo de produção, o que inclui até mesmo o equipamento de produção. Diferentemente das grandes cervejarias que produzem uma monstruosa quantidade da mesma cerveja todos os dias, as micro cervejarias e é claro os cervejeiros caseiros, normalmente produzem diferentes receitas, com diferentes insumos e muitas vezes com variações de marca para um mesmo insumo, o que torna extremamente desafiador controlar com precisão a cor da cerveja após sua finalização.

Como a Cor é Medida

Há basicamente três escalas de cor em uso no mundo cervejeiro:

  • Lovibond: representado por °L, a escala foi criada em 1883 nos EUA por J.W.Lovibond;
  • SRM (Standard Reference Method): surgiu na década de 1940 e foi implementado em 1950 paralelamente a Lovibond, tal como é utilizado até hoje;
  • EBC (European Brewing Convention): é a escala europeia de cor, e mais usada no Brasil, já que nossa influência em tecnologia cervejeira é predominantemente europeia, principalmente alemã. Além da cor há outras características analisadas pela EBC, responsável também por vários outros métodos padronizados de análise de matéria prima cervejeira e produto acabado.

As conversões entre estas escalas se dão pelas equações abaixo:

Vamos então às variáveis que afetam a cor da cerveja.

Insumos

Água cervejeira: depende de sua composição química, os íons presentes fazem com que as água mais duras e mais alcalinas favorecem o aumento da cor da cerveja, além de influenciar nas reações com componentes provenientes de outros insumos, por exemplo os polifenóis que são extraídos da casaca do malte com maior facilidade em meios mais alcalinos.

Levedura: irá impactar na turbidez, quando por sua característica natural, a cepa não possuir uma boa capacidade de floculação.

Lúpulos: a principal contribuição para a cor vem do teor de polifenóis, de forma que cervejas mais lupuladas tendem a desenvolver cores mais intensas, além da turbidez por conta dos mesmos polifenóis, combinados com a proteína presente no mosto que permanece no produto final.

Outros ingredientes: especialmente as frutas com cores vivas diferentes da cor da cerveja sem sua adição, por exemplo cereja numa sour, mas também a adição das diversas fontes de açúcar utilizados em cerveja, como candy sugar, melaço, rapadura, entre outros, afetam a cor seja por sua própria cor, seja pelas reações que serão intensificadas (ver adiante).

Malte: é o principal responsável pela formação da cor da cerveja, estima-se algo entre 90 a 95% da cor da cerveja, vindo diretamente da cor dos grãos utilizados, mas também sendo afetado por diversos fatores de processo tanto na malteação como na mostura.

Os diferentes tipos de malte possuem uma grande variedade de cores devido ao processo de malteação ao qual o cereal (ceveda, milho, centeio, aveia, etc.) é submetido, pois trata-se de uma significativa variedade de maltes dos bases até os torrados, passando pelos especiais, cristais e caramelos, onde quanto maior a temperatura e o tempo de exposição ao calor, mais escuro será o malte obtido.

Processos

Basicamente todos os processos, da moagem dos grãos até o envase podem influenciar na formação da cor final da cerveja, mas alguns exercerão uma influência mínima, especialmente em cervejas com cor final projetada para qualquer coisa acima de 10 EBC (falaremos adiante sobre as escalas). Quais são as etapas mais críticas? Vejamos abaixo.

Moagem: uma moagem muito fina significa quebrar demais a casca do malte e com isso liberar uma maior quantidade de polifenóis no mosto.

Mostura: mosturar a temperaturas mais baixas requer maior tempo de mostura para garantir uma completa conversão do amido em açúcares. A exposição mais prolongada ao calor irá produzir mais cor na cerveja.

Fervura: pela mesma lógica, fervuras mais longas produzirão mais compostos escurecedores na cerveja.

Fermentação: por regra a fermentação reduz a cor do mosto até a finalização da cerveja, mas isso depende da cepa utilizada, e dos fatores que influenciam o desempenho do processo, como grau de aeração, quantidade de FAN (free amino nitrogen) presente no mosto e grau de inoculação.

Filtragem: se a cerveja for filtrada, alguns compostos responsáveis pela formação da cor serão removidos, resultando obviamente em cervejas mais claras, mas há também a possibilidade de utilizar aglutinadores como o conhecido whirlfloc para ajudar na precipitação e eliminação destes compostos juntamente com o trüb.

Reações químicas

As principais reações que ocorrem no processo de fabricação são as seguintes.

Maillard: relatada pela primeira vez em 1912 pelo cientista francês Louis-Camille Maillard, é ainda hoje a mais famosa das reações porque não se restringe a cerveja, mas ocorre em muitos processos de preparação de alimentos, incluindo o nosso querido churrasco. A reação de Maillard, ocorre quando temos a presença de açúcar e amino ácidos sob ação do calor entre 60 e 74°C, gerando compostos de cor caramelo chamados melanoidinas, que além da cor, contribuem também para o sabor e aroma dos alimentos e da cerveja. Maillard também pode ocorrer em temperatura ambiente numa velocidade muito menor, mas perceptível pelo escurecimento em função do tempo de estocagem, sendo os extratos de malte em xarope os exemplos mais comuns.

Caramelização: diferente de Maillard, a caramelização ocorre em temperaturas mais altas e na presença de oxigênio, também produzindo composto aromáticos e de sabor, incluindo diacetil, ésteres e furano. Como o nome sugere, esta reação também contribui para aumento de cor e produz maltes morfologicamente diferentes dos produzidos por Maillard.

Oxidação: a oxidação da cerveja já finalizada ou de algum dos seus componentes ao longo do processo de fabricação é outro fator que pode interferir consideravelmente na cor da cerveja, bem como no sabor e aroma. O exemplo clássico é o das NEIPAs, que podem passar daquela bela cor de suco de frutas (só que bem mais gostoso) para uma aparente água suja em poucos dias se sofrer oxidação.

Estimando a Cor da Cerveja

Estimar a cor da cerveja, e atingir o resultado estimado pode ser um exercício ingrato, dadas as imensas variáveis e até mesmo às extensas faixas de cor de alguns malte, por exemplo, o maltes Weyermann Carared, Viking Caramel 50, Gold Swaen Red, Best Malz Caramel Aromatric, Chateau Cara Ruby, estão todos numa faixa de 40 a 60 EBC, mas o esperado deles é 50 EBC, mediana da faixa, portanto o cervejeiro normalmente irá utilizar este valor em seus cálculos, mas pode estar trabalhando com um lote do insumo em seu valor mais baixo ou mais alto, e aí temos uma variação de 20% pra baixo ou pra cima num malte cujo inclusão na receita pode chegar a 25% do grist… (acho muito, mas há quem use…). A dificuldade aumenta tanto quanto mais maltes com EBC alto for utilizado.

Além disso as variações de processo também irão influenciar na cor e não teremos como medir quanto foi essa influência, mesmo sem considerar eventuais falhas.

Mas isso é apenas pra tranquilizar o homebrewer quanto a precisão no controle da cor em receitas novas. Por repetibilidade é mais fácil chegar e manter um padrão.

Um método bastante simples e com ótima aproximação de resultado é o cálculo da média ponderada das cores do malte, basta multiplicar a quantidade de cada malte por sua respectiva cor, somar os resultados e dividir o total pela quantidade total de maltes. Há métodos diferentes na literatura, mas são distintos para cervejas mais claras ou mais escuras, por isso prefiro esse que é justamente o cálculo de alguns softwares de formulação. Vamos a um exemplo:

Conclusão: acertar a cor com precisão não é uma tarefa tão fácil, portanto, bem como para diversas outras características da cerveja, a dica é anotar todas as informações que puder sobre sua brassagem para ter elementos para analisar o resultado final, e baseado na teoria acima e no que mais encontrar na literatura técnica, mexer nos parâmetros pra ajustar o resultado na produção seguinte.

Para mais referências de cor por estilo, dê uma olhada nesse site: https://www.brewersfriend.com/2009/02/28/beer-styles-srm-color-chart/

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