Brassando na Altitude

Sabe-se que a altitude afeta uma série de parâmetros no cálculo cervejeiro, e por isso deve-se corrigir esses parâmetros de acordo com o local onde se está produzindo, para ter um controle mais preciso do processo e previsão de resultado final do produto.

Mas, isso é realmente um problema, ou apenas preciosismo, como em vários outros aspectos da tecnologia cervejeira? Sempre há controvérsias, mas com isso todo cervejeiro um pouco mais experiente já está acostumado.

O que é afetado pela altitude? Vamos lá:

  • Isomerização do alfa ácido: o processo de isomerização requer temperatura mínima acima de 79°C, e o ponto de ebulição cai pra baixo dos 80°C apenas em altitudes acima dos 5.800m, o que já está acima da cidade (povoação) mais alta do planeta que é a cidade de La Rinconada no Peru, que está a 5.099m acima do nível do mar, portanto em qualquer lugar do mundo que alguém decida fazer cerveja, haverá isomerização, porém, em muito menor grau a medida em que a altitude aumenta. O quadro abaixo mostra a taxa de utilização na equação que calcula a quantidade de IBU (ver equação abaixo) ao nível do mar. Considere uma queda de aproximadamente 1% para cada 100m de altitude, sendo então aproximadamente 16% para uma altitude de 1.600m, o que nos basta, já que a cidade mais alta do Brasil tem 1.620m, Campos do Jordão – SP, aonde aliás, tem cervejaria. A implicação disso para a cerveja é meramente econômica, pois será necessário adicionar uma quantidade maior de lúpulo para se atingir a mesma quantidade de IBU na cerveja, ou, dependendo do gap, aumentar o tempo de fervura, o que acarretará maior evaporação, e, portanto, menor rendimento da receita (= maior custo).
%Utilização ao nível do mar.
Equação de Tinseth

Onde:
qtd = quantidade de lúpulo em gramas

A% = teor de alfa ácido do lúpulo

U% = fator de utilização do lúpulo conforme explicado acima

V = volume final do mosto em litros

C = fator de correção em função da densidade do mosto (assunto pra outra matéria)

  • Falta de oxigênio: mesmo quem fugiu da aula de geografia sabe que na alta altitude o oxigênio é mais raro, sabemos disso porque quando nosso time vai jogar na Bolívia ou no Peru ficamos preocupados com o desempenho dos jogadores não habituados com o ar rarefeito. As leveduras também sofrem com isso porque o oxigênio solúvel no mosto também decresce na medida que a altitude aumenta. Para compensar essa perda de oxigênio é necessário aerar mais o mosto, o que novamente implica maior custo, embora bem menos que no caso do lúpulo.
  • Maior taxa de inoculação: as células de levedura consomem oxigênio para se multiplicar e adequar a taxa de inoculação precisamente antes de iniciar a metabolização dos açúcares do mosto. Uma opção à menor oferta de oxigênio é um aumento na quantidade de células adicionados ao mosto, o que traz mais uma vez um aumento de custo de produção e o inconveniente de não “errar na mão” e adicionar demais (over pitching), o que pode trazer problemas sérios, por geração de off flavours assassinos de breja, como a mercaptana.

Conclusão

É claro que comparar uma cerveja feita em Santos – SP com uma mesma receita feita no topo dos Andes (de preferência pelo mesmo cervejeiro) terá diferenças significativas se as medidas de compensação não forem adotadas. Já um cervejeiro em São Bernardo do Campo – SP não terá tanta dificuldade comparando-se com o cara de Santos, e mesmo em Campos do Jordão, que é a maior altitude habitada do País. Nestes casos apenas uma pequena correção no fator de utilização do lúpulo já resolveria, sem os problemas da falta de oxigênio. Além disso algumas diferenças mensuráveis em um laboratório são perceptíveis na boca do degustador de cerveja.

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